quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sertão vira mar... de vinho!


Lá nos idos do século XIX, o beato Antonio Conselheiro pregava aos seus seguidores em Canudos que o Sertão ia virar mar. Como os profetas não costumavam entrar em detalhes, certamente Antonio Conselheiro estava falando num mar de vinhos inundando o Sertão do São Francisco. Assim, bem no coração do Sertão nordestino, sol e água irrigada do Velho Chico têm garantido até duas safras e meia por ano de uvas moscato canelli, sauvignon blanc, chenin blanc, cabernet sauvignon, petit syrah, merlot, gamay e zinfandel. Uvas com níveis ideias de açúcar para a produção de vinhos frutados, leves, sem muita acidez.
É bem verdade que, por conta das altas temperaturas, a região não serve para produzir vinhos clássicos, que precisa de longos períodos de envelhecimento. Mas isso não impede que lá se produza vinhos finos, jovens e aromáticos, bem ao gosto dos enófilos europeus, americanos e japoneses.
Assim, nessa espécie de Nova Califórnia em que se transformou o vale do São Francisco, entre Pernambuco e Bahia, instalam-se ou vão se instalar vinícolas do Rio Grande do Sul – maior produtor do País – França, Portugal e Itália. Além da produção vinícola, o Vale é responsável por quase 100% da uva de mesa produzida no Brasil, destinada tanto ao mercado interno quando à exportação.
O Vale tem produzido atualmente tanto vinhos jovens, conhecidos como os “vinhos do sol” apresentando características peculiares de aromas e sabores, quanto vinhos de guarda, que passam por alguns anos em barricas de carvalho, o que promove maior complexidade dos aromas e melhora na estrutura dos vinhos. Este fato demostra que a região está quebrando todos os tabus em termos de produção de vinhos, pois há trinta anos não se acreditava na possibilidade de se produzir vinhos nesta região, muito menos com a alta qualidade e tipicidade que apresentam agora.
Localizado no semi-árido nordestino, de vegetação seca, o Vale do São Francisco era uma área desacreditada para a produção de vinhos finos mas o panorama atual vem demostrando o contrário. A região abriga atualmente sete vinícolas: Adega Bianchetti, Garziera, ViniBrasil, Bottichelli, Ouro Verde, Bella Fruta do Vale e Chateau Ducos, que produzem vinhos de qualidade e identidade própria: jovens, finos, leves e frutados.
Com o intuito de colaborar com o desenvolvimento do setor, os vitivinicultores contam com o apoio do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), e têm como parceiros o Governo de Pernambuco, através da Agencia de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD/Diper), o Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), a Associação dos Produtores e Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco (Valexport) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outros. Essas entidades e órgãos têm ajudado a padronizar e aperfeiçoar os vinhos e derivados de uva.
A vitivinicultura do Vale é uma atividade recente, iniciada em meados dos anos 80, mas que já tem muita importância para a região afinal, gera 900 empregos diretos produzindo aproximadamente 8 milhões de vinhos finos por ano, em uma área de 700 hectares – o que representa cerca de 15% da produção nacional.
O Vale é a segunda região produtora de vinho do país, ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul, demonstrando sempre como essa cultura tem grande valor no desenvolvimento socioeconômico. “Vale ressaltar que essa atividade representa não só o prazer imediato de consumir um vinho. Acima de tudo, é um sinal vivo de prosperidade, pois essa cultura trouxe para a região um novo alento, onde agrega pessoas, é permanente e fixa o homem à terra”, acredita o diretor da Ouro Verde, Eurico Benedetti.
Para obter esses números e faze-los crescer ainda mais, o Vinhovasf desenvolve ações de pesquisa, educação, ampliação e inovação tecnológica, preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável da vitivinicultura. E o Governo de Pernambuco, por sua vez, instituiu o Programa de Desenvolvimento do Setor Vitivinícola, com a lei estadual 13.830, que dá tratamento tributário diferenciado para uvas e vinhos produzidos na região.
Para o presidente da Valexport e do Vinhovasf, José Gualberto, as potencialidade da região influenciam bastante na qualidade do vinho, como, por exemplo, a disponibilidade de água de qualidade, base tecnológica de produção irrigada e solo adequado, entre outros fatores. “O clima é extremamente favorável, pois permite a elaboração de vinho a um custo menor e ajuda na produção de vinhos jovens, frescos e de características próprias, ao gosto do mercado atual e que mais tem crescido no mundo”, comentou José Gualberto.
Para contribuir na qualificação da mão-de-obra, os produtores de vinhos recebem orientação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET. O instituto oferece o curso de Tecnólogo em Viticultura e Enologia, cuja duração é de três anos, sendo o último dedicado exclusivamente à pratica obrigatória nas vinícolas. No Brasil, somente em Bento Gonçalves (RS) existe esse tipo de formação. A vantagem da produção de vinhos em Petrolina é o cultivo de duas safras e meia ao ano, enquanto no sul do Brasil, apenas uma safra.
Mesmo os vinhos do Sertão pernambucano sendo de qualidade, ainda há certa resistência por parte dos brasileiros em consumir o produto nacional. “Os brasileiros preferem os importados, porém a grandeza do vinho é sua variabilidade. Casa região procura regionalizar e nós também estamos trabalhando para isso”, afirma Gualberto. “Apesar de haver contribuições de grupos de fora, o campo e o trabalho estão nas mãos nordestinas. Isso ajuda a trabalhar a autoestima do sertanejo que passa a se reconhecer no produto” reforça o diretor da vinícola Garziera, Mábio Dutra.
Por outro lado, para alguns conhecedores, o vinho do São Francisco já marcou presença. O advogado Lourival Souza costuma consumir a bebida em todos os eventos festivos particulares que promove. “O vinho tem pouca acidez e aroma agradável, mas é certo que combina com o clima nacional e ainda cabe no bolso do brasileiro”, afirma. Em visita a uma das vinícolas da região, a aposentada e dona de casa Izabel Alves ficou encantada com a rota do vinho do Vale do São Francisco: “É importante conhecer o interior do Brasil. Temos belezas concorrentes com as do exterior e precisamos dar valor ao que é nosso e saber reconhecer o que essa cultura desenvolve social e economicamente nessa região”.

Destaque em concurso mundial

Os vinhos do Vale do São Francisco marcaram presença na 6° edição do Concours Mondial de Bruxelles, concurso de degustação crítica e competitiva de vinhos, realizado em 2009 na sede da Embrapa em Petrolina. Os rótulos foram analisados por oito jornalistas estrangeiros (Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Portugal, República Tcheca, Estados Unidos e Japão), dez jornalistas do Sul e Sudeste (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) e pelo enólogo e pesquisador da Embrapa, Giuliano Pereira.
Os critérios de avaliação da qualidade do vinho obedeceram ao estilo concorrido (tintos, brancos, espumantes e destilados). Nas regras do concurso, a bebida e degustada às cegas e premiada de acordo com a soma da pontuação das suas características, independente de um ranking. Das 147 amostras de vinhos e 32 destilados que concorriam ao prêmio, um espumante, um branco, dois tintos e um brandy do Vale ganharam medalha de prata na cerimônia de premiação. Esse resultado comprova a qualidade dos vinhos jovens e frescos produzidos na região.

Por EliasRoma Filho para a Revista ACP – Associação Comercial de Pernambuco. Ano XXXIV N.° 01 – 2010.